segunda-feira, 28 de março de 2011

Inspiração

Acendeu outro cigarro e inspirou, esperando que o cigarro o inspirasse de volta.
O céu permanecera nublado o dia todo. O rapaz apagou o cigarro no cinzeiro, e agora segurava a caneta com uma mão e a cabeça com a outra.
A folha vazia continuava intocada. Foi até a geladeira e abriu mais uma cerveja.
Antes, sua vida era uma droga. Agora, as drogas eram sua vida.


Por onde começar? Não tinha a menor idéia. Não tinha a menor inspiração. Não tinha nada além de sua própria sombra e sua própria mente. E então finalmente teve uma idéia. Segurou a caneta e pôs-se a escrever a primeira linha:


"Acendeu outro cigarro e inspirou..."

Azul

O Céu é azul. O ar, o vento, as nuvens, os pássaros, o palco do sol e da lua. Voar é ser livre.


A Terra é azul. A grama, as árvores, as montanhas, o palco da humanidade. Caminhar é ser livre.


A Água é azul. A chuva, as ondas, os rios, os mares, os peixes, o palco da vida. Nadar é ser livre.


A Chama é vermelha. A paixão, o calor, a luz, a intensidade, o instinto. Mas a Chama consome tudo ao seu redor, seu poder e sua fúria transformam tudo em cinzas, até que não haja mais nada a ser destruído, e a Chama se extingue.
A Chama é vermelha, mas o Fogo é azul. A Chama é a paixão, o Fogo é o amor.
Amar é ser livre.



Sobre Pedras e Caminhos, Epílogo / Prólogo

Era o final do outono. A última folha da última árvore acabara de cair. Mas era diferente das outras. Não possuía ramificações, nem clorofila, nem cor alguma.


Era uma folha em branco.

Sobre Pedras e Caminhos, Parte V

Ele trilhou seu próprio caminho, sobre as cinzas e galhos quebrados. Sem olhar para trás, ele caminhou para onde quer que seus pés o levassem. Dia após dia, mês após mês, ano após ano. E finalmente ele chegou ao final.


Mais uma vez, lá estava a pedra. O rapaz deitou-se na grama.
"Então esse é o final?", perguntou.
"Este é o final do seu caminho", disse a pedra, "mas não é o final definitivo."
Não existe começo sem final, e não existe final sem começo.

Gaiola

Esqueceram a porta da gaiola aberta. Após tanto tempo, finalmente ele poderia escapar. Sem pensar duas vezes, sacudiu suas asas. Pulou para fora. E caiu.


Nunca aprendera a voar. Como poderia, tendo passado toda sua vida preso? Tentou correr para longe, mas notaram sua ausência e puseram-no de volta na gaiola, dessa vez verificando se a porta estava bem fechada. Qual a diferença, afinal? Estava seguro lá dentro, tinha comida e água, não precisava ir embora.
Não havia sido criado para voar.


Mas mesmo assim nascera com asas.

Sobre Pedras e Caminhos, Parte IV

Pouco a pouco, as chamas foram se extinguindo. O incêndio destruira toda a vegetação ao redor, e uma chuva de cinzas caía do céu. O rapaz andava em meio aos destroços, quando encontrou uma pedra.


"O caminho que eu seguia foi destruído", disse ele. "Para onde devo ir agora? Não há trilha alguma para seguir..."
"Então você terá que fazer seu próprio caminho", respondeu a pedra. "Escolha uma direção e faça a trilha por conta própria."
"Mas e se eu escolher a direção errada?", perguntou.
"Não se preocupe", disse a pedra.
Quando você está perdido, não existem caminhos errados.

domingo, 27 de março de 2011

˙oɹpıʌ o ɹɐɹqǝnb nınƃǝsuoɔ sıɐɯɐɾ sɐɯ 'oɥlǝdsǝ op ɐɹoɟ ɐɹɐd ɐʌɐɥlo oxǝlɟǝɹ O

oɥlǝds

Sobre Pedras e Caminhos, Parte III

O rapaz finalmente escolhera seu caminho. Durante uma semana andou entre as árvores e rochas, sobre folhas e galhos secos, sem muita convicção de que a sua escolha o levaria a algum lugar.


Começava a anoitecer. Não se ouvia mais o canto dos pássaros, e à sua frente só havia a escuridão. Mesmo se o final estivesse próximo, ele não poderia ver.


Estava com frio, faminto e exausto. Não aguentava mais andar, ia desistir.
E então ele avistou uma luz no horizonte, um último raio de esperança.
Correu com todas as forças que ainda tinha em direção à luz. Quanto mais se aproximava, mais forte era a claridade. Já não sentia mais frio, e logo percebeu que estava muito próximo da fonte de luz. Após atravessar o último par de árvores, ele finalmente viu, e um arrepio subiu pela sua espinha.
A fonte da luz era um incêndio.

sábado, 26 de março de 2011

Independência e Morte

Março de 2001. O garoto, sentado no sofá, passava a tarde toda assistindo tv, comendo salgadinho e bebendo refrigerante. Sempre fazia sua lição de casa, e de vez em quando jogava videogame na sala.


Março de 2011. O rapaz, sentado na cama, passava a noite toda na internet, comendo lanche e bebendo cerveja. Sempre fazia os trabalhos da faculdade, e de vez em quando fumava um cigarro na janela.


Tudo havia mudado, e mesmo assim nada havia mudado. Os ponteiros continuavam a se mover na mesma velocidade, até que a bateria acabasse.


O rapaz se olhou no espelho, e por um instante não soube de que lado estava.



Corredor

O corredor parecia não terminar nunca. De fato, percorria aquele corredor durante os últimos 14 anos e nunca avistara sinal de vida. Exceto por alguns retratos na parede que encontrava esporadicamente, o lugar era completamente deserto.


E então, de repente, ele o viu. Apenas alguns metros à sua frente, lá estava o monstro que o perseguia por todo esse tempo. Sem pensar duas vezes, sacou sua arma e apertou o gatilho.


Estilhaços de vidro se espalharam por todo o corredor.
"Que ótimo", pensou. "Mais sete anos de azar..."

sexta-feira, 25 de março de 2011

Cicatriz

As nuvens começavam a se dissipar no céu alaranjado. As duas crianças conversavam debaixo da árvore, enquanto o sol desaparecia no horizonte.
"Se você gosta mesmo de mim, então me conta um segredo", disse a garota, com um olhar sério no rosto.
"Bom, eu tenho uma cicatriz...", disse ele. "Você quer ver?"
"Quero!", respondeu a menina.
Ele tirou a camiseta para mostrar a cicatriz. Ela deu um grito e recuou.
"Essa é a coisa mais nojenta que eu já vi!", disse. "E nem é uma cicatriz, seu... seu mentiroso!"
Ela tinha razão, não era uma cicatriz. A ferida nunca cicatrizara.


Enquanto ela corria para longe, as estrelas começavam a surgir no céu. O garoto continuou sentado sob a árvore, com os olhos úmidos, perguntando a si mesmo se algum dia enxergariam além do sangue e do nojo.
Ninguém nunca notara que a sua ferida tinha a forma de um coração.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Sobre Pedras e Caminhos, Parte II

O vento havia diminuído. Enquanto as sombras se estendiam, o rapaz olhava fixamente para a pedra em meio aos dois caminhos.


"Qual caminho devo escolher?", perguntou.
"Existem caminhos longos, curtos, árduos, agradáveis... cabe a cada um escolher seguir aquele que mais lhe parece adequado", disse a pedra.
"Mas como posso escolher um caminho se não consigo ver o final?"
"Ninguém conhece o final", respondeu a pedra.
Mas isso não importa.
O final é sempre o mesmo.

domingo, 20 de março de 2011

Preto e Branco

Nuvens coloridas, aves agitadas, telhados opacos, sombras silenciosas. Enquanto ele admirava o pôr-do-sol, um pensamento passou por sua mente.


O que seria da noite se não houvesse o dia? E do dia, se não houvesse a noite? Chuva e sol, luz e escuridão, preto e branco, um não sobrevive sem o outro.
O equilíbrio é a ordem do universo. Mas não o equilíbrio estático, o cinza; e sim o equilíbrio entre o desequilíbrio e o equilíbrio.
Nesse dia ele percebeu que trazia dentro de si tanto o sol quanto a chuva.
E percebeu que somente na presença de ambos surge o arco-íris.

sábado, 19 de março de 2011

Sobre Pedras e Caminhos, Parte I

O sol nascia por entre as árvores. Fazia tempo que ele não saía para caminhar de manhã. O ar fresco do outono entrava em seus pulmões, e uma leve brisa trazia de volta lembranças em preto e branco.


Na metade do percurso, onde o caminho dividia-se em dois, encontrou uma pedra.
"Quem é você?", perguntou o rapaz.
"Eu sou uma pedra. E quem é você?"
"Não sei", respondeu.
"Claro que não sabe", disse a pedra. "Como poderia? A cada novo dia, a cada nova experiência, a cada novo pensamento, você se torna outra pessoa. Viver é um processo contínuo, não se pode definir quem você é julgando apenas um pedaço do todo."
"Então como posso descobrir quem eu sou?", perguntou.
"Não pode", respondeu a pedra, "pois essa é a pergunta errada. Para descobrir a resposta, você deve responder a pergunta certa."


A pergunta certa é: Qual caminho você quer seguir?

sexta-feira, 11 de março de 2011

Preto

A bola azul continua girando em meio ao vazio. Formada por inúmeras partículas, que também são apenas poeira em meio ao vazio. Seria a poeira real, ou apenas mais uma camada recursiva? Seria possível a escuridão preencher a si mesma?


A primeira folha cai. O chão não está mais vazio. De fato, nunca estivera.
Mas quando a folha for carregada para longe pelo vento, a sua ausência será preenchida pela lembrança.


O vazio não existe. Apenas a saudade.

quarta-feira, 9 de março de 2011

quinta-feira, 3 de março de 2011

Branco

Janeiro de 1947. A Guerra começava.
O General foi convocado para liderar as investidas contra os inimigos do Oeste. Seus exércitos tiveram inúmeras baixas e milhares de feridos. A escassez de alimentos e a precariedade da saúde fizeram com que o desespero lentamente tomasse conta do País. E dessa forma, a vida dava lugar à sobrevivência.


Outubro de 1957. A Guerra continuava.
Por mais de 10 anos o caos reinou no País. A última esperança do General eram os exércitos mandados pelos países aliados; mas estes o traíram antes da batalha decisiva, refugiando-se além das fronteiras ocidentais. Não existiam meios nem motivos para continuar lutando.


Março de 1961. A Guerra terminara.
Após 14 anos, não restara nada além de ruínas e destroços, nada além da devastação causada pelos inimigos do Oeste, nada além do medo e da solidão.
O General, exausto e consumido pela guerra, levantara a bandeira branca. E ao cair da noite, deitado em sua cama, percebeu que finalmente havia vencido.

terça-feira, 1 de março de 2011

Cinza

Uma bola azul girando. Uma mente cinza girando. E as cinzas continuaram queimando, mesmo espalhadas pelo chão.


Um mar de borboletas flutua entre as árvores. As nuances continuavam caindo, num horizonte há muito tempo esquecido. Um momento de silêncio, uma última brisa de verão.


Não há mais diferença entre o verde e o vermelho. Naquele breve momento, as duas cores se uniram numa só. Chama e combustível, ambos se tornam cinzas.
E as cinzas se espalham pelo ar.


Uma bola azul girando... nada é tão simples, afinal.

Requeijão

Eu moro perto do prédio do Pedro
Eu moro perto do prédio do Pedro
Eu moro perto do prédio do Pedro
Eu moro perto do prédio do Predo